segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ESCRITA...











Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler será por conta própria e auto-risco. Eu não faço literatura: eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever.

... e vou definitivamente ao encontro de um mundo que está dentro de mim, eu que escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.


Em cada palavra pulsa um coração. Escrever é tal procura de íntima veracidade de vida. Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trêmulo sofrendo a incalculável, dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento — amadurecimento? Até agora vivi sem ele!É. Mas parece que chegou o instante de aceitar em cheio a misteriosa vida dos que um dia vão morrer. Tenho que começar por aceitar-me e não sentir o horror punitivo de cada vez que eu caio, pois quando eu caio a raça humana em mim também cai. Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda a minha palavra tem um coração onde circula sangue. Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra. Vejo pouco, ouço quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro do espírito que me habita. Minha nascente é obscura. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito.



E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo. Minha vida é um único dia. E é assim que o passado me é presente e futuro. Tudo numa só vertigem. E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável.



(Um sopro de vida – Clarice Lispector)








 Antes que a vida acabe,
A gente tem que falar o que se passa aqui dentro,
E lá fora também.
Sem vergonha, sem limites... sem porquês.
Só ser.


                     
                                           


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